Vivemos em uma era onde dificilmente não há algo ligado à tecnologia em cada aspecto das nossas rotinas. Muitas pessoas fazem uso constante de dispositivos como tablets, computadores, smartphones e redes sociais. Ainda que essas tecnologias proporcionem uma série de facilidades e benefícios, como facilidade de acesso a transações financeiras, educação, informação e quase infinitas possibilidades, seu uso abusivo e não controlado demonstra uma série de impactos negativos sobre a saúde mental tanto de crianças como de jovens e adultos. O aumento da exposição e por consequência a dependência dessas tecnologias pode afetar o humor e a capacidade de concentração levando a quadros sintomáticos de depressão, ansiedades e diversos outros transtornos. Neste texto de hoje tentarei demonstrar alguns dos malefícios do uso excessivo de tecnologias e como esse contexto tem afetado a saúde mental de maneira geral.
Impacto negativo nas relações pessoais
O uso abusivo das redes sociais, parece prejudicar as relações interpessoais. Cada vez mais pessoas estão substituindo as relações reais ou face a face por chats, aplicativos e conversas online o que reduz drasticamente a qualidade dessas relações. Estudos indicam que, ainda que as redes sociais possam promover um sentimento de conexão superficial, elas podem na verdade aumentar sentimentos negativos ligados ao tema como sensação de solidão e isolamento social, devido a tênue linha entre pertencer ou não pertencer criada pelas redes sociais. Outro fenômeno conhecido como FOMO (Fear Of Missing Out) ou medo de estar perdendo algo é muito comum entre usuários mais frequentes das redes sociais. Ao serem expostos frequentemente ao que outras pessoas estão fazendo ou produzindo, essas pessoas acabam tendo a sensação constante de que sua vida não é tão interessante ou satisfatória, sensação essa que gera ansiedade e insatisfação constante com a própria vida, fazendo com que a pessoa esteja sempre em estado de alerta.
Desregulação emocional e vício
O acesso constante às redes sociais bem como o uso excessivo de dispositivos eletrônicos variados, pode levar a uma espécie de dependência ou vício em tecnologia. Isso passa a ser perceptível quando a pessoa sente uma necessidade incontrolável de estar conectada, atualizando e interagindo em suas redes sociais ou jogando. Esse tipo de comportamento pode estar associado à incapacidade de lidar com as emoções de maneira saudável e a desregulação emocional, dessa forma a pessoa passa a usar esse mundo não real para se esquivar daquilo que é realidade. Cada vez mais, pesquisas indicam que vícios comportamentais, como o vício em tecnologia, são capazes de provocar alterações no cérebro parecidas com as causadas por substâncias químicas, como por exemplo o aumento e desregulação dos níveis de dopamina e ainda que esta esteja ligada à sensação de prazer, o excesso leva a instabilidade emocional e acaba deixando as pessoas mais vulneráveis a variações de humor recorrentes e à sentimentos de ansiedade e depressão.
Aumento da depressão e ansiedade
As tecnologias, especialmente as redes sociais, podem ser fontes muito relevantes de sentimentos de ansiedade. As pessoas passam a ser ininterruptamente expostas à conteúdos cuidadosamente pensados e editados de outras pessoas e nem tudo é bom ou positivo, essa exposição faz com que os usuários se sintam pressionados a alcançar situações irreais de padrão de vida, sucesso e aparência sem perceber que nem tudo que se vê nas redes é verdade ou sem se dar conta das diversas questões envolvidas. Essa pressão soma-se à cultura de validação e pertencimento por meio de curtidas e comentários criando uma grande comparação social que quando não alcançada gera sentimentos de inferioridade e baixa autoestima. O uso prolongado de telas também está relacionado à baixa qualidade do sono. Estudos sugerem que a luz azul interfere diretamente na produção de melatonina, o hormônio responsável pela regulação do sono, dessa forma adormecer se torna mais difícil e a privação e baixa qualidade do sono impacta diretamente na qualidade de vida, sendo fator de risco para o desenvolvimento e piora dos quadros de ansiedade, depressão e transtornos do humor.
Déficit de atenção e concentração
O uso descontrolado de tecnologia também está associado a quadros de déficit de atenção e concentração, a quantidade de informações, notificações e mudança entre aparelhos e aplicativos reduz drasticamente a capacidade do indivíduo de se manter concentrado em uma só tarefa por um longo período de tempo, fenômeno chamado de atenção dividida. Estudos demonstraram que para pessoas que fazem uso de smartphones por várias horas do dia, apenas a presença do aparelho no ambiente de trabalho ou estudo já é capaz de reduzir o desempenho cognitivo e a concentração das mesmas. Ao permanecer nesse estado de distração constante, a capacidade de processar informações de maneira profunda e eficiente é prejudicada, pois há a quebra da concentração em busca da fonte rápida de satisfação e isso leva a um ciclo reduzido de produtividade nas mais diversas áreas da vida e também aumento do estresse.
Desconexão com o mundo real
Ao gastar muito tempo em atividades e "mundos" virtuais, as pessoas podem entrar em desconexão com a realidade, isso faz com que muitos se isolem cada vez mais e troquem totalmente as experiências reais por interações virtuais, o que acaba diminuindo a capacidade de enfrentar desafios sociais e emocionais do mundo real, prejudicando assim o desenvolvimento de diversas habilidades importantes para o convívio social, a resiliência emocional e a empatia. Essa desconexão acaba por contribuir para o desenvolvimento de transtornos onde a pessoa tem dificuldade de processar emoções, situações e experiências da vida real, pois o "mundo" virtual pode ter se tornado e se modulado de uma forma mais atraente do que o mundo real e físico, dessa forma o indivíduo acaba por adentrar num ciclo de fuga da realidade sempre que se sente desconfortável.
Cyberbullying
O anonimato em nicknames, avatares e usuários da internet geram, ao proteger a identidade do agressor, comportamentos tóxicos e agressivos que muito raramente seriam expressados em interações reais. Quem sofre com ataques, ameaças e agressões virtuais por meio de comentários, exposições indevidas e imagens na internet pode sofrer consequências gravíssimas para a saúde mental, principalmente quando a pessoa "vive" a internet. Estudos associam o chamado cyberbullying a um aumento considerável em casos de ansiedade, depressão e suicídio entre os adolescentes.
Falta de equilíbrio e estresse
A constante conectividade também torna difícil estabelecer limites claros entre trabalho e lazer. Com a possibilidade e necessidade de estar "sempre disponível", muitas pessoas sentem-se ou são pressionadas a responder a e-mails de trabalho, mensagens e outras demandas fora do horário laboral o que acaba por gerar conflitos dentro da família. Essa falta de equilíbrio entre a vida profissional e pessoal quebra vários limites e pode levar a um aumento dos níveis de estresse crônico e burnout, um estado de exaustão física e emocional relacionado ao trabalho, causado pelo estresse prolongado.
Busque equilíbrio
Embora a tecnologia proporcione muitos avanços e facilidades, fica nítido que é importante estar ciente das suas consequências negativas não apenas na saúde mental. O uso sem controle e sem atenção de dispositivos eletrônicos, redes sociais e a conectividade constante mostram-se terrenos férteis para o crescimento de problemas como ansiedade, depressão, dependência tecnológica e dificuldades de atenção, além disso podem induzir a uma rotina sedentária que aos poucos impacta em todos os aspectos da vida das pessoas. Neste caso, o equilíbrio (por mais clichê que possa parecer) ainda é a chave: estabelecer limites claros para o uso da tecnologia visando tirar proveito do que é positivo e minimizar o que negativo já trará consciência e lucidez para o usuário que dessa forma pode perceber quando estiver passando dos limites e vigiar para que isso não aconteça, além disso buscar práticas que promovam o bem-estar, como atividades físicas, interações sociais presenciais com a família e amigos, cozinhar, ouvir música, apreciar a natureza, ler, participar de eventos com pessoas desconhecidas e momentos de desconexão, são fundamentais para preservar a saúde mental e viver a vida de forma real e de maneira mais plena e consciente usando assim todos os seus sentidos e capacidade sem deixar de usufruir dos benefícios da tecnologia.