A vida moderna há um bom tempo nos traz muitas facilidades e obviamente avanços, mas também provoca a cada passo um desequilíbrio em nossa saúde física e mental, especialmente por conta da super estimulação do sistema dopaminérgico. A dopamina, conhecida como o neurotransmissor do prazer e da recompensa, é um dos principais responsáveis pelas sensações de prazer e satisfação que sentimos, por exemplo, ao alcançar um objetivo, ao comer algo saboroso, ao receber uma notificação no celular com algo de nosso interesse, ou seja, de modo prático é algo que nosso próprio corpo nos dá (em forma de sensação de bem-estar) em troca de algo que é bom para nós mesmos. Embora a dopamina seja crucial para a motivação e a aprendizagem, o problema começa quando esse sistema é constantemente estimulado de forma muito acima do normal, algo que se tornou cada vez mais comum na sociedade contemporânea devido a inúmeros fatores. Nosso cérebro é projetado para liberar dopamina em determinadas situações e sempre visando o equilíbrio, no entanto nos dias de hoje é constantemente bombardeado por estímulos que geram picos de prazer e dopamina, seja por meio de jogos, da tecnologia, da comida ultra processada, do consumo abusivo de substâncias, da pornografia ou das interações sociais online, tudo isso projetado para ser muito prazeroso. Esses níveis de estímulos criam um desequilíbrio na homeostase, o estado de equilíbrio e estabilidade que o corpo tenta manter para funcionar de forma saudável e eficiente.
A Natureza da dopamina e o ciclo de recompensa
Como dito acima, a dopamina é liberada em nosso cérebro sempre que vivenciamos algo prazeroso. Esse sistema de recompensa foi e é crucial para a sobrevivência de nossos ancestrais, pois os motivava a buscar alimentos, proteção e reprodução mesmo diante de cenários e situações adversas. No entanto, a vida moderna, moldada para que as pessoas vivam em constante busca por gratificações instantâneas, ativa essa liberação de maneira muito mais frequente e intensa do que nossos cérebros estão preparados.
Redes sociais, por exemplo, oferecem recompensas rápidas e efêmeras: um "like" ou uma nova mensagem podem desencadear pequenas liberações de dopamina que por sua vez fazem o cérebro desejar mais daquilo. Quanto mais se busca por essas pequenas doses de prazer, mais ficamos presos nesse ciclo de prazer rápido, o que poderia não ser tão ruim caso o leitor esteja pensando assim, mas essa ferramenta não foi desenvolvida para trabalhar deste jeito e o problema está no fato de que o cérebro começa a reduzir sua sensibilidade à dopamina, tornando mais difícil sentir satisfação com prazeres simples e naturais que demandam mais esforço e oferecem doses menores de dopamina, como uma caminhada ou uma conversa tranquila. Essa necessidade de buscar estímulos mais intensos cria um desequilíbrio na homeostase dopaminérgica.
O efeito da super estimulação no sistema nervoso
Quando nosso cérebro é exposto a estímulos dopaminérgicos intensos e frequentes, ele tenta manter o equilíbrio (homeostase) diminuindo o número de receptores de dopamina ou diminuindo a resposta a esse neurotransmissor. Isso leva a um fenômeno conhecido como dessensibilização, onde devido a diminuição desses receptores, a pessoa precisa de quantidades cada vez maiores do estímulo para sentir o mesmo nível de prazer que sentia antes, novamente, nosso cérebro cria esse mecanismo para tentar manter o equilíbrio. Isso acontece, por exemplo, com quem usa redes sociais excessivamente ou se envolve em comportamentos compulsivos como compras ou jogos online, após um período a super estimulação gerará uma dessensibilização e ao manter o comportamento as pessoas necessitarão cada vez mais dele para sentirem o prazer que sentiam antes. Anedonia pode ser entendida como a incapacidade de sentir prazer. Com o tempo, esse ciclo de níveis exagerados de dopamina em situações de efeito rápido acaba resultando em uma anedonia, que pode ser entendida como a incapacidade de sentir prazer, já que o cérebro se adapta à super estimulação e passa a entender os estímulos de forma diferente. Como consequência, muitos começam a experimentar desânimo, desconexão com a realidade, apatia, falta de motivação e até depressão, pois o sistema de recompensa não responde mais aos estímulos simples ou não tão instantâneos de forma saudável. Nesse momento uma atividade que antes era prazerosa já não tem mais esse efeito, pois a dopamina que ela libera no cérebro já não pode ser percebida pelo indivíduo. Essa perda de prazer em atividades do cotidiano é um sintoma de que a homeostase foi prejudicada pela superexposição a esses gatilhos.
A relação com o comportamento alimentar
O consumo de alimentos ultra processados e altamente palatáveis, ou seja, ricos em carboidratos, gordura e sódio, é outro grande ativador do sistema dopaminérgico, comer é algo essencial para a sobrevivência por isso nosso cérebro libera dopamina quando comemos, é uma ferramenta muito antiga, no entanto esses alimentos são projetados para desencadear grandes picos de dopamina no cérebro, gerando uma sensação de satisfação e prazer imediato e sim, da mesma forma que acontece com outros estímulos, o cérebro começa a se dessensibilizar a esses alimentos, o que com o tempo leva um aumento (quase inconsciente) do consumo para obter a mesma sensação de recompensa.
Esse ciclo, além de gerar comportamentos compulsivos de alimentação, contribui diretamente para problemas como obesidade e desregulação do metabolismo, bem como facilita o desenvolvimento de uma série de outras doenças ao interferir nos níveis de glicose, colesterol e hormônios como a insulina.
Tecnologia e dopamina
O uso abusivo de tecnologias, principalmente smartphones e seus apps como rede sociais também é um grande ativador do sistema dopaminérgico, notificações, novos seguidores, conquistas em jogos online entre outros, liberam dopamina de maneira quase constante o que da mesma forma contribui para a dessensibilização e cria um cenário onde a pessoa fica cada vez mais conectada a fim de se sentir bem. No longo prazo essa exposição excessiva com momentos de abstinência, em momentos que a pessoa não pode mexer no dispositivo devido ao trabalho ou escola, gera um aumento nos níveis de estresse e de cortisol o que prejudica a qualidade do sono e aumenta significativamente a sensação de fadiga e dificuldade para relaxar. Além disso a pessoa acaba por ficar muito tempo presa ou refém do dispositivo sempre aguardando por algum estimulo, isso aos poucos vai criando um afastamento da vida real e as situações do dia a dia deixar de ser estimulantes.
Vício e tolerância: como o corpo se adapta ao excesso
Quando o corpo se adapta ao padrão de super estimulação, acaba por desenvolver o que se chama de tolerância, o que significa que os níveis normais de estimulação dopaminérgica não produzem mais os mesmos efeitos. Isso é evidente em casos de vício em substâncias, como drogas e álcool, mas também ocorre com o uso excessivo de tecnologia e comida ultra processada gerando ainda mais abuso. O cérebro, para tentar equilibrar o sistema de recompensas, começa a exigir estímulos cada vez mais intensos, e a busca incessante por essas recompensas pode levar à exaustão mental e física. Essa demanda crescente por estimulação, porém, também prejudica o funcionamento de outros sistemas, como o cardiovascular e o imunológico, e afeta diretamente o equilíbrio dos sistemas corporais.
A super estimulação dopaminérgica afeta negativamente o ritmo circadiano, ciclo natural de sono e vigília do corpo. O uso prolongado de luz e dispositivos eletrônicos antes de dormir, por exemplo, inibe a produção de melatonina, o hormônio que regula o sono. Isso interfere diretamente na qualidade do sono e prejudica a recuperação e o restabelecimento da homeostase durante a noite, levando a problemas como insônia, fadiga e baixa capacidade de concentração no dia seguinte. Ainda que poucas pessoas levem em consideração, dormir é um dos processos mais importantes para a regulação de todo o corpo. Quando esse ciclo é perturbado, o equilíbrio hormonal, o sistema imunológico e o metabolismo sofrem, resultando em uma série de complicações para a saúde como irritabilidade, falta de foco e concentração, cansaço crônico, falta de motivação, dificuldade de aprendizado e desejo por alimentos ricos em açúcares. Um adulto deve ter entre 7 e 9 horas de descanso por noite para garantir a qualidade do organismo como um todo.
Com o tempo, a super estimulação dopaminérgica também prejudica nossa capacidade de tomar decisões e exercer autocontrole. A dopamina afeta diretamente as partes do cérebro responsáveis por essas funções. Quando estamos habituados a procurar e receber constantemente recompensas rápidas, nossa habilidade de refletir antes de agir, planejar a longo prazo e resistir a impulsos imediatos se deteriora. Isso explica, por exemplo, porque pode ser tão difícil reduzir o tempo nas redes sociais, sites adultos, comprar online ou controlar desejos alimentares. Esse processo afeta diretamente a homeostase mental, pois a capacidade de regular nossas emoções e comportamentos está comprometida, levando a mais desequilíbrios no corpo. No dia a dia esse processo pode gerar desconfortos e influência negativas nas relações interpessoais.
Com o tempo a super estimulação faz com que situações que antes eram prazerosas se tornem indesejáveis e entediantes e isso num primeiro momento pode deixar o indivíduo confuso e gerar sentimentos de culpa ou de não compreensão do que realmente está acontecendo em sua vida, dependendo do tipo de estímulo as pessoas podem perder o interesse por atividades como esportes, conversas, relacionamentos e autocuidado o que aos poucos gera um isolamento crescente e pode acarretar em vários transtornos. Restaurar o equilíbrio em uma sociedade onde somos bombardeados por estímulos dopaminérgicos é desafiador e exige uma abordagem consciente e atenta. O primeiro passo é reconhecer que precisamos reajustar nossa relação com os estímulos modernos, entender a importância e relevância de cada uma dessas fontes de estimulo e avaliar o que há ou não de positivo. Isso pode incluir reduzir o tempo de tela, adotar uma alimentação mais equilibrada e buscar formas de prazer em atividades menos intensivas em dopamina, como exercícios físicos e meditação e entender que no início a tarefa pode parecer extremamente desafiadora e assustadora, mas essa nova abordagem em pouco tempo traz uma outra visualização da vida com sentimentos reais de felicidade e pertencimento. Ao regular a exposição a esses estímulos e priorizar hábitos mais saudáveis, nosso corpo pode voltar a equilibrar o sistema dopaminérgico e restaurar a homeostase, promovendo uma saúde mental e física mais estável. Isso é algo que todos nós devemos começar a fazer exatamente agora.